sexta-feira, 9 de janeiro de 2015


"CHARLIE SOU EU"

Paulo Cesar de Lara


Nas aldeias e vilarejos dos tempos passados e ainda hoje, em raras localidades o toque do sino do campanário da igreja era o meio de comunicação utilizado para anunciar a chegada da morte, dizia-se que os sinos “dobravam” por alguém. O poeta JOHN DONNE que viveu no século XVII escreveu:

“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo” (...)  “a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por você”.

São estas palavras que o escritor ERNEST HEMINGWAY escreveu no início do seu romance “Por Quem os Sinos Dobram”, de 1940, (“And therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee”).

A literatura em verdade faz menção como que a tragédia em comum de todo homem, de toda a humanidade em sua caminhada pela existência com suas desgraças e sonhos, suas esperanças e derrotas suas luzes e sua demência, à grande tragédia da vida que se sabe finita, efêmera, um sonho que passa. Temos um destino em comum.

Com a tragédia em Paris nos últimos dias a sombra do terror mais uma vez se abate sobre o mundo, e como toda tragédia há perguntas, há dúvidas, qual a razão, qual o motivo, seria evitável?  Como toda a patologia do terror os atentados tem um sentido simbólico.

O ataque à redação francesa tem a força simbólica de atacar uma das maiores conquistas do mundo moderno que é a liberdade de expressão, princípio matriz de tantas outras liberdades constitucionais. O drama não consiste em sua dimensão real de violência e morte simplesmente, tem um forte teor simbólico.

Veja-se, por exemplo, que ao longo de 7 dias segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública do  Estado do Paraná em Curitiba e região metropolitana foram mais de 80 assassinatos. Em números suplanta em muito os 12 artistas cartunistas e escritores da Revista francesa CHARLIE.

Mas a violência no Brasil, o drama brasileiro é de outra natureza, é outro plano de tragédia humana muito característica da miséria latino-americana com suas particularidades.  O drama terrorista é de outra natureza, pois é no poder simbólico do medo que invoca o irracional, o lado mais obscuro da loucura humana que se encontram as raízes desta perversidade político ideológica.

Assim como o mundo se irmana no temor ao terror comum, ao terror irracional, irmana-se também na esperança de lutar contra o terror que não conhece fronteiras e nem se detém por nada e que sobrevive e se retro alimenta do próprio terror, do desejo insano de ferir, matar de forma impiedosa em nome de ideais dos mais contraditórios.

Os próprios muçulmanos têm a sua imagem afetada, ferida e marcada pelos atos tresloucados e egoístas dos que vivem e pregam uma fé de sangue a qual não é partilhada pela multidão dos irmãos da fé islâmica, por isso é contraditória e é nociva a própria crença e aos próprios valores do islã, cuja essência, enquanto religião é a busca do infinito e da divindade.

O terrorismo é uma sombra que pode atingir qualquer realidade, qualquer cultura porque o seu combustível é a loucura, a irracionalidade reprimida, elementos estes que abundam na história humana. É por isso que se diz para não se perguntar “por quem os sinos dobram, pois os sinos dobram por todos nós”. “CHARLIE SOU EU”!