UMA LIBRA DE CARNE – JUSTIÇA E LEI EM
SHAKSPEARE.
Prof. Paulo Cesar de Lara
Os literatos apontam que a peça teatral
“O Mercador de Veneza”[1] de William Shakespeare, teria sido escrita entre 1596 e 1598. O tema abordado pelo
grande escritor inglês versa sobre a cobrança da garantia de uma dívida, a qual
teria de ser paga com 1 libra de carne de quem garantiu a dívida[2].
A personagem Pórcia, se apresenta ao Tribunal sob o
pseudônimo de Baltasar tenta demover o Credor em cobrar a garantia, o qual não
queria mais o dinheiro, mas sim executar a garantia. O Juiz concorda com a pretensão do credor, o
Judeu Shylock, contudo, lhe levanta um
obstáculo:
“Pela letra, a sangue jus não tens; nem uma gota.
São palavras expressas: Uma libra de carne. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso derramares,
no instante de a cortares, uma gota
que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito.”
Rudolf Von Ihering[3] no
livro A luta pelo Direito, chegou a publicar seu entendimento,
discordando do desfecho proposto por Shakespeare na referida história: Ninguém
em Veneza duvidava da validade do título. Entende que os amigos de Antônio, o
próprio Antônio (fiador), o Doge, o Tribunal, todos, enfim, estavam de acordo
que o judeu estava em seu direito.
Entende Ihering que ao reconhecer a Shylock o
direito de cortar do corpo de Antônio uma libra de carne, o juiz reconheceu-lhe também o direito ao sangue, sem o qual a carne não pode existir, e quem tiver o
direito de cortar uma libra de carne, pode, se quiser, tirar menos.
Segundo IHERING “o juiz tinha a opção de declarar o título válido ou
inválido. Decidiu pela primeira alternativa. E, segundo a exposição de
Shakespeare, essa solução era a única compatível com o direito. Não havia
ninguém em Veneza que duvidasse da validade do título: os amigos de António, o
próprio António, o doge, os juízes, todos concordavam em que o direito estava
do lado do Judeu”.
A alegoria legal de Shakspeare é um enfrentamento direto com o legalismo, pois ao fundo o desejo do
credor era o de vingança, de ódio, emprestou dinheiro com o aval de quem não
gostava (Antônio) que era anti-semita, abriu mão dos juros para garantir a
concretização do negócio, não aceitou receber dinheiro no lugar da execução da
dívida, mesmo quantia maior que a devida, na execução da dívida poderia
arrancar um naco de carne de região vital e assim levar à morte o devedor.
Todas estas questões demonstram que o Credor usava a lei não dentro da
razoabilidade, nem finalidade social do contrato, usava a lei separada da
justiça, da ponderação, do equilíbrio. Inútil conceder um direito e logo obstar
seu efeito. A Literatura traz à luz o tema da justiça, da Lei e sua compreensão
humanista.
[1] SHAKESPEARE, William. O mercador de
Veneza. Trad. Carlos Alberto Nunes. 8. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
[2]
http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22407#_ftn2
[3] IHERING, Rudolf von. A luta pelo
Direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos
Tribunais, p.90, 1998.
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