terça-feira, 20 de setembro de 2016

UMA LIBRA DE CARNE – JUSTIÇA E LEI EM SHAKSPEARE.
Prof. Paulo Cesar de Lara


Os literatos apontam que a peça teatral “O Mercador de Veneza”[1] de William Shakespeare,  teria sido escrita entre 1596 e 1598. O tema  abordado pelo grande escritor inglês versa sobre a cobrança da garantia de uma dívida, a qual teria de ser paga com 1 libra de carne de quem garantiu a dívida[2].

A personagem Pórcia, se apresenta ao Tribunal sob o pseudônimo de Baltasar tenta demover o Credor em cobrar a garantia, o qual não queria mais o dinheiro, mas sim executar a garantia.  O Juiz concorda com a pretensão do credor, o Judeu Shylock, contudo, lhe levanta um obstáculo:
“Pela letra, a sangue jus não tens; nem uma gota. São palavras expressas: Uma libra de carne. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito.”
Rudolf Von Ihering[3]  no livro A luta pelo Direito, chegou a publicar seu entendimento, discordando do desfecho proposto por Shakespeare na referida história: Ninguém em Veneza duvidava da validade do título. Entende que os amigos de Antônio, o próprio Antônio (fiador), o Doge, o Tribunal, todos, enfim, estavam de acordo que o judeu estava em seu direito.

Entende Ihering que ao reconhecer a Shylock o direito de cortar do corpo de Antônio uma libra de carne, o juiz reconheceu-lhe também o direito ao sangue, sem o qual a carne não pode existir, e quem tiver o direito de cortar uma libra de carne, pode, se quiser, tirar menos.
Segundo IHERING “o juiz tinha a opção de declarar o título válido ou inválido. Decidiu pela primeira alternativa. E, segundo a exposição de Shakespeare, essa solução era a única compatível com o direito. Não havia ninguém em Veneza que duvidasse da validade do título: os amigos de António, o próprio António, o doge, os juízes, todos concordavam em que o direito estava do lado do Judeu”.
A alegoria legal de Shakspeare é um enfrentamento direto com o legalismo, pois ao fundo o desejo do credor era o de vingança, de ódio, emprestou dinheiro com o aval de quem não gostava (Antônio) que era anti-semita, abriu mão dos juros para garantir a concretização do negócio, não aceitou receber dinheiro no lugar da execução da dívida, mesmo quantia maior que a devida, na execução da dívida poderia arrancar um naco de carne de região vital e assim levar à morte o devedor.
Todas estas questões demonstram que o Credor usava a lei não dentro da razoabilidade, nem finalidade social do contrato, usava a lei separada da justiça, da ponderação, do equilíbrio. Inútil conceder um direito e logo obstar seu efeito. A Literatura traz à luz o tema da justiça, da Lei e sua compreensão humanista.




[1] SHAKESPEARE, William. O mercador de Veneza. Trad. Carlos Alberto Nunes. 8. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
[2] http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22407#_ftn2
[3] IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.90, 1998.

Nenhum comentário:

Postar um comentário